quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira


Acompanhei desde cedo a produção do filme "Ensaio sobre a Cegueira" do Fernando Meirelles, inspirado na obra de mesmo nome do escritor portuga José Saramago. Comentei e recomendei o blog do diretor que me convenceu a adquirir ao maravilhoso livro no fim do ano passado sob o "desafio" de arranjar mais tempo e lê-lo antes da estréia do filme.

Por sorte as agruras na sala de montagem e as diversas exibições teste do filme atrasaram o lançamento e eu consegui acabar a leitura bem antes, o que me deu tempo pra sedimentar bem as minhas idéias e análises do intrincado simbolismo ali existente.

Tá na cara que eu tava com a expectativa elevadíssima, né? O que dizer do filme, então?
Se o próprio Saramago aprovou, quem sou eu pra criticar? O filme cumpriu com o que eu esperava. Os primeiros 2/3 são extremamente fiéis à obra, deixando espaço pra quem leu apenas para analisar a linguagem gráfica que Meirelles usou (e abusou) pra transmitir algumas das terríveis sensações do livro. A esplêndida fotografia do uruguaio César Charlone, estourada nos brancos, forçando os reflexos e ilusões visuais causa um desconforto e ao mesmo tempo permite ao expectador um certo grau de compreensão da situação e identificação com as personagens.

A história, trata de eventos em uma cidade qualquer e em um país qualquer que começa a ser lentamente tomado por uma epidemia de cegueira, a "cegueira branca". Acompanhamos então, um grupo de personagens sem nome a uma espécie de quarentena. Um microcosmos da sociedade que começa a se formar, sem a presença do estado ou de outras instituições. O ensaio faz uma profunda análise da condição humana. Do quão pouco se precisa para voltar-se aos mais básicos instintos. De como começam a surgir as tendências políticas em um grupo sob condições extremas: o que tenta instaurar uma democracia, o ditador que governa pela lei do mais forte e a anarquia.

O elenco está todo excepcional, sem exceções. Julianne Moore é foda. Gael Garcia Bernal com a competência de sempre.
Mark Ruffalo surpreendeu. Como ponto negativo, deixo apenas o ritmo por vezes acelerado dado ao desenrolar dos fatos. Mas este tipo de adaptação é compreensível dentro da linguagem. E vale lembrar que levei uns 5 meses pra terminar o livro. (Ei, eu tenho uma família e trabalho 10 horas por dia, tá?)

Apresentado na abertura do Festival de Cannes, acabou dividindo a crítica. Muitos acharam que faltou sujeira, que faltou escrotidão naquele retrato de miséria humana. Que faltou mais violência gráfica e crueza.
A descrição dos corpos fétidos e dos estupros do Saramago me deixaram muito mal, mas ao ler o livro imaginei coisas tão hediondas que provavelmente eu nem teria coragem de assistir. No caso do filme, dependendo da sua capacidade de imersão e imaginação, a sugestão é mais pesada do que o grafismo.

Meirelles no blog de produção, comentou sobre a necessidade de suavizar isso, citando o caso do Gaspar Noé (Irreversível). Mas depois de relutar, fez uma série de cortes achando ques o final do filme valia a pena ser visto. Não queria ninguém abandonando a sala de cinema antes do fim. E é lindo. É emocionante. Te faz pensar e, ironicamente, te faz enxergar.

Um comentário:

Vica disse...

Quero muito ver o filme. Não li o livro. Tenho medo!!